sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Espírito Esportivo - Fair Play

Esta é uma parte do trabalho desenvolvido pelo meu grupo, na universidade, nossa referência é a Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte – 2005, 4(4):13-28 e o artigo em questão é do Antônio Roberto Rocha Santos Universidade Federal do Pernambuco, esse trecho de seu artigo é muito rico e tem uma linguagem muito acessível deixando bem claro, o conceito do Fair Play.



Os conceitos de “Espírito Esportivo”, “Fair Play” e “Esportista” (Sportsmanship) ainda não estão suficientemente claros na literatura especializada que trata das questões relacionadas com a ética e moralidade no esporte. Abe (1988) realizou um importante estudo cronológico sobre a moderna utilização do termo “Esportista” (Sportmanship), em dicionários ingleses, americanos e japoneses. A primeira utilização do termo “Esportista”, segundo o "The Oxford English Dicionary on Historical Principles", foi encontrada na obra “The Beaux Stratagem” de 1706-07, no qual o termo “Esportista” é encontrado como sendo o homem do prazer. Nesta obra há o seguinte diálogo:
“Um esportista, eu suponho? Sim senhor, ele é um homem do prazer, ele toma whisky e fuma seu cachimbo as oito e quarenta horas muitas vezes” (Abe, 1988, p. 4).
A princípio o termo “Esportista”, em inglês “Sportsman e Sportsmanship”, foi utilizado para relatar habilidades ou comportamentos relacionados com o bem-estar das pessoas, e, assim, a sua aplicação não estava relacionada exclusivamente com os comportamentos éticos no esporte. O termo “Esportista” tem várias interpretações, algumas contraditórias, tais como: caçar, pescar; alguém que aposta em esportes; alguém que é bom (fair), generoso e não faz nada incorreto, procurando participar como um “bom vencedor” ou como um “bom perdedor”. É importante destacar que a utilização do termo “Esportista” (Sportsmanship) vai-se modificando à medida que as atividades esportivas se modificam, do esporte como caça e pesca na Inglaterra do século 16 e 17, às atividades atléticas implantadas por Arnold no século XIX na Escola Rugby. O esporte que a princípio era sinônimo de prazer, passatempo, entretenimento, recreação e diversão, passa a ser compreendido como uma atividade composta de uma série de desafios atléticos, presos a um tempo determinado em forma de espetáculo ou evento social (Abe, 1988).
Em relação ao termo “Fair Play” (Espírito Esportivo) compreendido na língua portuguesa e francesa como “Espírito Esportivo”, segundo Abe (1988) a primeira utilização apontada pelo "The Oxford English Dicionary on Historical Principles" foi na obra de Shakespeare “A vida e a obra do rei John”, de 1595, em uma cena em que um homem participa de uma audiência com o rei. Nesta situação o termo Fair Play” (Espírito Esportivo) foi utilizado como sinônimo de senso ou espírito de justiça social, equidade e imparcialidade, nas diversas situações de vida vividas pelas pessoas. Nos demais dicionários pesquisados por Abe (1988) apareceram sempre como definição do termo “Fair Play” (Espírito Esportivo) as palavras justiça, justiça social, conduta honesta e conduta imparcial.
A maioria dos pesquisadores que estudam o fenômeno do “Espírito Esportivo” relata as dificuldades existentes em definir com clareza o significado do termo (Kroll, 1976; Deshaies, Vallerand e Cuerrier, 1984; Gonçalves 1990), segundo esses autores a ausência de uma definição adequada do que seja “Espírito Esportivo” tem criado uma situação difícil para os estudiosos, pois o direcionamento dos estudos, em sua maioria, para avaliar o “Espírito Esportivo” entre atletas, retardou a elaboração de uma bordagem ingênua e ultrapassada, os defensores do Fair Play/Espírito Esportivo desejam transformar o desporto num
“altar de celebração do princípio do Fair Play”, o que não é possível, pois como destaca Bento (1997a) o desporto é parte integrante dos vadefinição mais precisa do conceito de “Espírito Esportivo”, bem como retardou a possibilidade dos pesquisadores estabelecerem relações entre o “Espírito Esportivo” e outros parâmetros do contexto esportivo.“A sociedade atual confunde-se até com um sistema amoral, dado que o primeiro plano é ocupado pela tentativa de impor brutalmente a vantagem pessoal em detrimento do interesse geral. Por isso, é espantoso que neste enquadramento se faça um apelo a um desporto com certificado de pureza passado pelo fair play”.
Para Kroll (1976) o conceito de “Espírito Esportivo” é descrito por pequenos relatos imprecisos de incidentes ocorridos no esporte ou por frases com grande destaque. Este autor relata, ainda, que mesmo que todos nós conhecêssemos o conceito de
“Espírito Esportivo” seria difícil obter uma definição que fosse aceita por todos, ou seja, que fosse universal, uma vez que este conceito se assemelha às tentativas de definição dos conceitos de amor, lealdade, sinceridade e obscenidade. Assim, com certeza, todos nós temos a compreensão do que seja “Espírito Esportivo”, porém temos muitas dificuldades em definir com clareza este termo. Martens (1978) afirma que o “Espírito Esportivo” é algo de que nós acreditamos conhecer o sentido, mas temos grandes dificuldades em conceituar com clareza.
O Espírito Esportivo tem sido definido na literatura especializada como:
“Uma atitude geral em face de certos comportamentos” (Haskins, 1960); “Como o respeito a normas prescritivas e proscritivas como resultado de um código de ética” (Kroll, 1976);
“Como um comportamento moral no meio esportivo” (Martens, 1978).
Desta maneira, pode-se afirmar de forma resumida que o Espírito Esportivo é um conjunto de normas prescritas, isto é, constitutivas do esporte, e normas não prescritas nos códigos esportivos que envolvem comportamentos de acordo com um código de ética humano, que prescreve respeito, tolerância, igualdade, etc.



O Movimento do “Fair Play”



O comportamento das pessoas que participam no esporte direta ou indiretamente passou a ser uma grande preocupação das autoridades, principalmente na segunda metade do século XX. A grande importância dada à vitória, em função de interesses de prestígio pessoal e financeiro fizeram com que em 1963, a UNESCO, a Associação Internacional de Imprensa Esportiva e o Conselho Internacional de Esporte e Educação Física realizassem um seminário para discutir questões como o chauvinismo, a violência e outras infrações que comprometiam a integridade das pessoas que participavam do esporte. Neste evento foi decidido criar Troféus Internacionais de Fair Play, os quais deveriam ser entregues a pessoas que tivessem demonstrado alto grau de Espírito Esportivo, durante a participação em competições. Assim, com a aprovação da UNESCO, foi criado o Comitê Internacional para o Fair Play (Internacional Council of Sport and Physical Education, 1975). Em 1968 foi publicada uma “Declaração sobre o Esporte” pelo Conselho Internacional de Esporte e Educação Física (ICSPE), na qual Noel Baker, presidente do International Council of Sport and Physical Education, ICSPE, afirmou que o Fair Play é a essência, e que sem essa condição o jogo ou esporte não poderia ter esta denominação. Em 1971 e em 1973 o ICSPE organizou seminários com o tema “O Papel da Mídia na Promoção e Compreensão do Esporte”, nos quais se conclui que o esporte pode ser uma atividade positiva se a ética implícita nesta atividade for suficientemente compreendida. Como conseqüência, outras entidades e federações esportivas criam, também, seus troféus de Fair Play, e o Comitê Internacional de Fair Play descentraliza sua ação em cooperação com diversas entidades internacionais (Internacional Council of Sport and Physical Education, 1975).
Em 1971 o Comitê Francês de Fair Play publica um documento no qual estão descritas algumas ações no esporte, que envolviam comportamentos pautados no espírito do Fair Play. Este documento tem grande repercussão, tendo sido reconhecido tanto pelo ICSPE como pela UNESCO como uma produção de relevância para o Movimento do Fair Play. Em seguida o Comitê Internacional de Fair Play, o Comitê Olímpico Internacional, o ICSPE e outros organismos internacionais criam uma comissão de especialistas de vários países para preparar um documento sobre o Fair Play, o qual foi publicado em 1975. O documento elaborado apresentava as seguintes orientações:
1. O Fair Play é demonstrado pelo participante das atividades esportivas, pela observância das regras do esporte;
2. É importante reconhecer que, por trás das regras escritas, estão regras implícitas, o espírito ou intenção correta ou leal, nas quais estão envolvidos os competidores esportivos;
3. Os comportamentos segundo o espírito do Fair Play serão reconhecidos pelas ações de:
- Não questionamento das decisões dos árbitros, a não ser que o regulamento do esporte o permita;
- Jogar para vencer deve ser o primeiro objetivo, porém recusar a vitória por qualquer meio;
- Honestidade, correção e uma atitude digna quando os outros participantes não jogam de forma justa;
- Respeito aos colegas da sua própria equipe;
- Respeito aos adversários e o reconhecimento da importância destes para que a competição se realize;
- Respeito aos árbitros através da atitude positiva, tentando colaborar com este a todo momento;
- O Fair Play envolve modéstia na vitória e elegância na derrota, assim como generosidade na criação de sinceras e duradouras relações humanas;
- O Fair Play não é uma responsabilidade apenas dos competidores. Treinadores, árbitros, espectadores e todas as pessoas envolvidas na competição têm um importante papel no desenvolvimento de atitudes positivas, para, principalmente, envolver os participantes da competição em um comportamento de tolerância (Internacional Council of Sport and Physical Education, 1975, p. 2-5).
Em 1992 o Comitê Internacional para o Fair Play (CIFP) publica um documento denominado “Fair Play para Todos”, contendo um manifesto onde são destacadas preocupações com ações contrárias ao Espírito Esportivo que vêm ocorrendo com freqüência no esporte, principalmente pela pressão sofrida por atletas e técnicos na obtenção da vitória a qualquer custo, isto é, através de meios ilícitos. Este documento é de grande importância, como referência, para aqueles que desejam operacionalizar ações para elevar o Espírito Esportivo nas competições que acontecem em diversos contextos esportivos, pois propõem ações para: O Fair Play no Esporte Juvenil; O Fair Play no Esporte de Competição; O Fair Play no Esporte para Todos, para a Saúde e Tempo Livre; O Fair Play no Esporte para Portadores de Deficiência (Comitê Internacional para o Fair Play, 1992).
É pertinente destacar a atuação do Movimento Europeu de Fair Play (EFPM), fundado em 1994 na Suíça, composto por 29 países. Esta entidade não-governamental tem-se destacado por ter estabelecido diversos fóruns para discussão do fenômeno do
Fair Play - Espírito Esportivo, denominados Seminários Europeus sobre o Fair Play. Foram realizados 3 seminários com as seguintes temáticas: “A Responsabilidade dos Órgãos de Informação em Defesa do Fair Play”, em Istambul (1975); “Fair Play,
Desporto e Educação”, em Varsóvia (1996); "Fair Play e o Desporto de Alta Competição", e em Oeiras (1997); "A Conduta dos Espectadores e o Fair Play", em Atenas (1998), "Ética e Doping", em Paris (1999); "Violência no Esporte e Sociedade", Paris (2000) e "O Comportamento de Fair Play no Esporte de Alto Rendimento e sua Influência sobre os Jovens", em Bratislava (2001).
No Canadá, segundo Régnier (1990), em razão dos constantes conflitos ocorridos no hóquei sobre o gelo profissional, esporte nacional que a exemplo do futebol arrasta multidões aos estádios, “la Régie de la securité dans les sports du Quebéc” -
RSSQ - um organismo governamental criado em 1979, hoje incorporado ao Movimento Canadense de Fair Play, com o objetivo de zelar pela segurança e integridade dos praticantes de esportes - concluiu que seria uma ilusão pensar em modificar o modelo profissional de esporte praticado no país em razão dos objetivos mercantis que o esporte profissional estabeleceu como prioridade. Era, portanto, necessário criar um modelo de prática esportiva alternativa que marcasse claramente a linha divisória com o esporte profissional. Desejava-se um modelo de esporte mais humano, onde sua prática repousasse sobre valores sociais do denominado “Espírito Esportivo”. Após 1984 a RSSQ organiza um movimento em conjunto com diversas entidades esportivas, com o objetivo de ativar a promoção do “Espírito Esportivo”, nas práticas desta atividade na escola e no esporte amador.
A primeira etapa deste movimento foi definir de forma clara o conceito de “Espírito Esportivo”. Assim, a RSSQ adotou uma série de princípios para o “Espírito Esportivo” que servia de base para todas as ações de promoção do “Espírito Esportivo”, no
Québec, a partir de 1984. Assim a RSSQ publica neste ano a denominada "Carta sobre o Espírito Desportivo", a qual apresentava recomendações às pessoas que estavam envolvidas direta ou indiretamente com as atividades esportivas.



Desta forma, o “Espírito Esportivo” compreendia cinco elementos básicos a serem observados na prática dos esportes:
1. Respeitar os regulamentos;
2. Respeitar os árbitros e aceitar as suas decisões;
3. Respeitar os adversários;
4. Demonstrar preocupação com a igualdade de oportunidades entre os competidores;
5. Manter permanentemente a sua própria dignidade.
(Gonçalves; 1990; Régnier, 1990).
Estes cinco princípios têm norteado a grande maioria dos programas de sensibilização e pesquisa com atletas, árbitros, dirigentes, patrocinadores e demais pessoas envolvidas no esporte, a respeito do comportamento segundo o Fair Play - Espírito Esportivo, em países como o Canadá, Portugal e Brasil.
As ações, assim como as bases teóricas em que se apóiam os movimentos que defendem o Fair Play / Espírito Esportivo, têm sido objeto de fortes críticas de estudiosos do fenômeno esportivo contemporâneo por ignorarem que as alterações dos valores morais na sociedade contemporânea se refletem no contexto esportivo, não havendo duas morais, uma da sociedade e outra esportiva, mas sim uma moral social única. Bento (1997b) destaca a “situação paradoxal” do esporte na atualidade, pois com a organização profissional desta atividade o esporte passou a ser gerido por regras relacionadas ao mundo do trabalho, por outro lado, os participantes do esporte são chamados à atenção por se comportarem segundo as regras do trabalho.
Assim, os protagonistas do esporte são cobrados por medidas morais diferentes, o que resulta em orientações conflitantes.
Desta forma, baseados no “Ideal do Olimpismo” como forma de educação moral, caracterizado por Arnold (1994) como uma alores da sociedade onde é praticado, uma vez que para defender princípios do Fair Play no esporte é necessário que os seus defensores o façam em outros domínios. Para Bento (1997a) o princípio do “fairs” (honestidade) que caracterizava as ações dos comerciantes nas feiras inglesas “emigrou para muito longe”. Assim:
No Brasil, apesar da Carta sobre O Fair Play - Espírito Esportivo ter sido publicada em 1978, não se conhece, até o presente, a organização de movimentos com o objetivo de promover ações que elevem o nível do Espírito Esportivo entre os participantes do esporte. Em nosso país, como em outros países do mundo, têm ocorrido com freqüência fatos contrários aos princípios do Espírito Esportivo, como: a violência entre jogadores, torcedores, árbitros e dirigentes nos eventos esportivos; problemas com doping; corrupção; agressões verbais e físicas; e notícias sensacionalistas na mídia que estimulam agressões e violência no contexto esportivo.
As questões sobre Fair Play - Espírito Esportivo, no Brasil, têm-se limitado a uma discussão incipiente dentro das universidades, particularmente dentro dos cursos de Educação Física e às ações de seminários e premiação do Fair Play/Espírito
Esportivo.



A Intervenção na Perspectiva do Espírito Esportivo - Fair Play



Após a descrição dos fundamentos da Ética e Moral no Esporte e do Espírito Esportivo - Fair Play, e os resultados de investigações no contexto esportivo brasileiro, acredita-se ser pertinente fazer os seguintes questionamentos: Como elevar o nível de Espírito Esportivo - Fair Play em praticantes de esportes? Quais as medidas ou estratégias mais adequadas que podem ser tomadas? Acredita-se que as medidas para elevar o nível de Espírito Esportivo - Fair Play podem ter dois níveis: um imediato e outro mediato. Como processo imediato, uma vez constatados baixos níveis de intenção de comportamento segundo o Espírito
Esportivo - Fair Play, seria a organização de programas nos âmbitos local, regional e nacional, divulgando a "Carta Sobre o Espírito Esportivo", realizando discussões em todos os níveis, envolvendo a comunidade praticante de esportes, dirigentes, pais e jornalistas, destacando a importância que têm os comportamentos pautados no Espírito Esportivo, tanto para a preservação da pessoa humana, como para a manutenção do esporte como uma atividade construída socialmente. Estes programas devem envolver leitura de textos sobre a temática, discussão da Carta sobre o Espírito Esportivo, dinâmicas de grupos e dramatizações sobre a temática. Como ação em longo prazo, propõe-se que os programas para sensibilização sobre o Espírito Esportivo sejam implantados no contexto da escola como tema transversal, na proposta dos programas de educação para a ética, como apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN - Brasil, assim colaborando para a: construção da identidade moral, aquisição de critérios de juízo moral, desenvolvimento de capacidades de compreensão crítica, reconhecimento e assimilação de valores universalmente desejáveis e informação moralmente relevante, o reconhecimento e a valorização de pertencer a comunidades de convívio e a reconhecer as finalidades implícitas em todas as atividades, como propõe Puig (1998). Os Parâmetros Curriculares Nacionais destacam a importância em educar os alunos para que estes possam atuar de forma autônoma e crítica em uma sociedade democrática, valorizando o respeito mútuo, justiça, solidariedade e o diálogo.
No momento que as demais disciplinas escolares discutem aspectos relacionados com a ética, nas aulas de Educação Física e/ou Esportes, o professor, técnico ou treinador, poderá encontrar momentos para discutir aspectos ligados à ética, moral e Espírito Esportivo, no contexto dos jogos, ginástica, lutas e esportes. Nestes momentos, poderão ser realizadas atividades semelhantes as já descritas, dinâmicas de grupo, leituras e discussões críticas, dramatização, etc.

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